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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Moda Contemporânea no Brasil: inquietação e reflexão




Moda Contemporânea no Brasil: inquietação e reflexão.
Por Nathalie Oliffson*



Durante todo o curso de Moda contemporânea, sempre senti uma certa inquietação quando tentava sair do panorama analítico global da moda para pensar a realidade do Brasil. Na minha opinião, os fenômenos de moda no Brasil, são, no mínimo, curiosos. O estilista Ronaldo Fraga, disse certa vez que "a moda no Brasil chegou ontem à tarde". É claro que não podemos desprezar a existência de uma história de moda no Brasil, mas ela não pode ser totalmente apreciada da mesma maneira como observamos os fenômenos na Europa e na América do Norte. E tão pouco a história de uma moda brasileira pode ser delineada igualmente.
Vejamos...Na época do Brasil colônia, após a chegada da corte portuguesa, as modas, e as tendências, seguiam os ditames e o timing das cortes Européias. A partir do século XX, especialmente da segunda metade, cada vez mais, a evolução das tecnologias da informação aceleraram esse timing. A informação hoje é instantânea, mas é uma informação periférica.
É impressionante o nível de ignorância, da falta de um saber de moda geral. Do consumidor, a inúmeros profissionais: empresários, estilistas, jornalistas e até professores (já que cursos de moda são a grande febre do mercado educacional). Esta triste realidade convive simultaneamente com o crescimento dos profissionais especializados e sua capacitação, claro. Enquanto isso, vamos convivendo com universos paralelos em dimensões diferentes. A questão da subjetividade da moda no Brasil se mostra especialmente mais complexa.
Chama a minha atenção, por exemplo o que passa pelo vocabulário de moda no Brasil. Nós temos as palavras moda, fashion e modinha. Seu significado e seu valor são diferentes de acordo com o lugar onde estamos. Modinha serve para definir aquilo que é tendência nas confecções mais populares. Naquelas onde "supostamente" o posicionamento é mais elevado é a palavra fashion que indica a parte tendência de uma coleção. E quando estamos num universo de criadores de moda, o que é tendência seria diferente do que é moda. Cito Chanel em sua ótima reflexão: "la mode c`est tout ce que se démodé" (a moda é tudo que deixa de ser moda).
Num país de tanta riqueza e pluralidade, tantos contrastes culturais, econômicos, sociais, climáticos, era de se esperar que a moda tivesse uma força também múltipla e forte. Entretanto, o que se percebe é que existe mais um movimento de uniformização de padrões do que de diferenciação e individualidade.
O brasileiro se mostra um grande consumidor de moda. Talvez seja uma herança dos índios e negros, que sempre adoraram se enfeitar. Entretanto, junto com esse desejo, existe uma certa "insegurança" ou fragilidade na manifestação dessa vontade. Percebo que à medida que o tempo foi passando que a sociedade foi supostamente, evoluindo, o consumidor brasileiro de moda foi buscando mais a uniformização do que a individualização ou um estilo próprio. Poderíamos afirmar que no Brasil ter estilo é seguir algum modelo (?!?)...Neste ponto é bem interessante tomarmos como exemplo os sucessos editoriais da década de 90 como os livros Chic - de Gloria Kalil - e Essencial - de Constanza Pascolato. Verdadeiros MANUAIS de moda. Ou ainda, a loucura de pessoas comuns para serem convidados para um desfile de moda.
A moda está na moda. E no Brasil, a grande ditadora de tendências de moda, e porque não dizer de comportamento é a Sra. Televisão. Os modelos seguidos, a definição do gosto, do que é feio ou belo, o que está na moda. O padrão é definido pela grande mídia brasileira, que entra gratuitamente todos os dia nos lares de todo o país.
Pensemos nas novelas ( o verdadeiro teatro do povo no Brasil - na definição de Chico Buarque ), especialmente nas novelas do horário nobre da Rede Globo, a maior emissora. Valem os exemplos da Dancin Days, com Júlia Mattos, personagem de Sônia Braga e suas meias de lurex. Ou ainda, mais recentemente, o estilo Jade, transportado para bijuterias e acessórios orientais, na novela O Clone. Ciente do seu poder, a Rede Globo hoje tem sua maior força comercial no licenciamento de produtos, que ela cria a cada sucesso na telinha se utilizando do recall de seus personagens e programas.
Interessante percebermos que nos exemplos acima citados, havia uma simultaneidade entre o figurino proposto, que virou moda, e a tendência da moda naquele momento. Mas o que dizer dos fenômenos de moda provocados por Roque Santeiro e sua Viúva Porcina, personagem de Regina Duarte. Segundo a figurinista Marília Carneiro, quando criou os exuberantes turbantes, seu objetivo era evidenciar a breguice da personagem. E aquilo virou in, para a maioria das mulheres brasileiras. Outro exemplo curioso foi na novela A Indomada, onde a personagem Zenilda, interpretada por Renata Sorah era dona de um bordel no interior do nordeste, na fictícia cidade de GreenVille. O figurino de suas "Camélias" era montado com roupas de griffes como Dior, Dolce Gabanna e Versace que estavam entrando no Brasil, naquele momento. O que impulsionou ainda mais o mau hábito copiador das confecções brasileiras.
Se pensarmos nos dias de hoje, vale ressaltar os nomes de dois novos programas de moda da televisão brasileira. O programa de Cristiana Arcangeli que se chama MANUAL, e no canal 21, o programa de Angelita Feijó, se chama TÁ NA MODA. Ou seja: do nome ao conteúdo, o objetivo é sempre reproduzir, se adequar, se encaixar.
E o consumidor brasileiro, ávido, vai absorvendo tudo, como uma esponja, sedento que é, criando um cenário de moda para lá de paradoxal. A insistência em se reproduzir tanto num país de tanta criatividade, me causa certa indignação.
Para atender a esse consumidor a indústria da moda também tem o hábito de reproduzir, na maioria das vezes, sem o menor constrangimento. Dois fenômenos atuais que chamam muito a atenção são a indústria da réplica e dos produtos alternativos. Não com a idéia de brincar, de criticar, mas com o comercial objetivo de faturar alto.

A palavra réplica se tornou uma definição "aceitável' da cópia descarada de produtos de griffe. Em um shopping zona sul de Belo Horizonte, pode-se comprar tranqüilamente réplicas de bolsas Dior, Gucci, Chanel e Louis Vuitton, que são apresentadas abertamente nas vitrines de determinadas lojas. Pelo preço "camarada" de R$ 800,00, R$ 900,00 reais a consumidora ávida de moda, pode se sentir incluída no grupo com uma bolsa falsificada, sem nenhum problema maior. Hoje, por exemplo, existe um grande mercado no setor de bijuterias que se entitulou de jóias alternativas. As empresas se especializaram em reproduzir em bijuterias, modelos das grandes joalheiras, e estão faturando alto. E, tudo isto vem acontecendo com a aquiescência inclusive da mídia respeitada. A revista Marie Claire, divulgou recentemente uma nota sobre uma ótica no Rio de Janeiro que tinha incríveis réplicas de óculos de griffe a preços camaradas.
Cientes da força da reprodução algumas empresas renomadas orientam suas equipes de vendas a utilizar o argumento para alcançar melhores resultados. Curioso por exemplo, uma experiência que vivenciei em uma loja da AREZZO onde a vendedora tinha um texto pronto para dizer - "Olha que modelo lindo, é exatamente a cópia da sandália da Prada".
Que moda brasileira é essa? Que cultura de moda é essa? Que consumidor de moda é esse? Que expressões e manifestações de moda vamos encontrando no Brasil?
Por isso a questão sobre uma identidade de moda brasileira, tenta ser tão discutida. Talvez levemos tempo para isso, o mesmo tempo necessário para se entender e apreciar a identidade brasileira.
A tarefa não é fácil, pois na maior parte das vezes, quem trabalha com moda, pouco sabe ou nada sabe sobre a moda. E esta realidade não compromete os resultados financeiros dos negócios de moda.
Um novo panorama passará, pela responsabilização da mídia e das escolas de moda, que devem ter profissionais capacitados trabalhando da disseminação da informação de moda e na formação dos futuros profissionais.
Nathalie Oliffson é assessora de imprensa em Belo Horizonte, além de radialista e aluna da pós-graduação online em Moda e Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi.

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